Notícia - Verba para combate à aids fica parada nas contas de estados e municípios

Verba para combate à aids fica parada nas contas de estados e municípios

Quando confrontados com um problema grave em suas gestões, administradores públicos têm, invariavelmente, uma justificativa no repertório: a falta de verbas, a escassez de recursos, as limitações de orçamento. Em grande parte dos casos, é certo que falta dinheiro e sobram problemas, como nas casas em que o salário acaba e o mês prossegue. Mas nem sempre a inação se explica pelo dinheiro – ou a falta dele. Neste momento, quando pacientes portadores do vírus da aids se acotovelam em busca de atendimento em hospitais e postos de saúde do país, estão parados nas contas de estados e município 160 milhões de reais repassados pelo Ministério da Saúde para melhorar o atendimento de soropositivos e criar programas de prevenção.

O levantamento da situação desse dinheiro é do próprio ministério, com base nas informações repassadas por estados e municípios. O desperdício pode ser ainda maior: cerca de 200 municípios não informaram o que fizeram – e se fizeram – com a verba destinada ao combate à aids.

Em alguns locais, a verba repassada regularmente pelo Ministério da Saúde desde 2003 ‘apodrece’ na conta há 91 meses, como em Vila Velha, no Espírito Santo. No Sudeste, são 68,4 milhões de reais sem uso nas contas bancárias dos gestores municipais e estudais. A região é a que tem maior número de mortes causadas pela doença: em 2010, dos 11.965 óbitos notificados no país, 5.687 ocorreram nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
O estado do Rio, que tem a segunda maior mortalidade pela doença do país, é o que acumula mais recursos sem uso: 30,2 milhões de reais em caixa entre verbas destinadas à Secretaria Estadual de Saúde e às secretarias municipais. Segundo levantamento ao qual o site de VEJA teve acesso, a Secretaria Estadual de Saúde fluminense gastou apenas 36,8% dos 24,9 milhões de reais que recebeu desde 2003. Ou seja, acumula 15,7 milhões de reais sem uso. Já o município deixou de aplicar na rede 8,1 milhões dos 17 milhões que recebeu desde 2003.

O estado tem 9,1 mortes por aids para cada grupo de 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional, de 5,6 óbitos. A cada dois dias, nove moradores do estado morrem em decorrência de problemas com o HIV.

Oferecer tratamento com rapidez é a diferença entre a vida e a morte quando o assunto é o HIV. A aids, que já representou uma sentença de morte, hoje é considerada uma doença crônica por especialistas, mas o diagnóstico tardio e o atendimento precário são entraves ao tratamento. Os destinos possíveis para o dinheiro são muitos. De acordo com o Ministério da Saúde, os recursos poderiam ser usados na contratação de ações de prevenção realizadas por organizações não-governamentais e em melhorias estruturais de unidades de saúde que atendem soropositivos. Poderia ainda ser destinado a casas de apoio que cuidam de pacientes sem recursos ou na compra de leite para bebês, filhos de mulheres soropositivas, pois o leite materno de uma mãe soropositiva leva risco de contágio ao recém-nascido.

Deixar de empregar o dinheiro destinado ao combate à aids dificulta o trabalho de entidades que tiveram destaque no combate à epidemia, cujo ponto crítico se deu na década de 1980. O grupo Pela Vidda Rio, fundado em 1989, é um dos que passa por dificuldades atualmente. Sem receber dinheiro público e com o corte dos financiamentos internacionais, o Pela Vidda foi obrigado a reduzir seu horário de funcionamento ao período da tarde. O atendimento já não está disponível às segundas-feiras e foi fechado o Disque-Aids, destinado a dar orientações a soropositivos e famílias de pacientes com a doença.

O trabalho do Pela Vidda consiste em dar assistência psicológica e jurídica aos portadores do vírus. O grupo também se especializou em ações de prevenção ao HIV e na luta contra o preconceito e pelos direitos dos soropositivos. “Hoje, a situação financeira do Pela Vidda é muito delicada. Fazemos um esforço enorme para manter as portas abertas, mas se nada mudar não sei até quando conseguiremos. O mais grave é que as pessoas continuam chegando, buscando ajuda sem conseguir acesso à rede pública. Muitas acabaram de ter o diagnóstico e chegam perdidas, com medo de morrer, sem ter a quem revelar o diagnóstico. Em seguida, ainda precisam peregrinar em vários postos para conseguir uma consulta”, afirma o psicanalista George Gouvêa, coordenador do Pela Vidda, que mantém atendimento psicológico e jurídico com 12 voluntários.

O superintendente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, alega dificuldades no repasse de recursos para projetos de organizações não-governamentais devido ao excesso de documentos exigidos. Chieppe argumenta ainda que a secretaria aumentou o gasto nos últimos anos e afirmou que, até 2013, investirá no Plano de Metas a verba que hoje esta parada na conta do estado.

“Não sobra dinheiro. Não há excesso. O que há é dificuldade de utilizar esses recursos, que se acumularam em anos anteriores. Os juros também geram mais recursos”, afirma. “Há uma discussão em relação ao repasse para ONGs. Não há instrumentos jurídicos adequados. O estado tem que fazer o repasse como se o fizesse para uma empresa qualquer. Ou seja, há uma carga muito grande de documentos exigidos para organizações não-governamentais que não têm o mesmo porte de uma empresa que vende para o governo. Tem que se pensar numa adaptação para que esses recursos sejam repassados. Hoje, temos muita dificuldade”, disse.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde Rio, que segundo o levantamento do Ministério da Saúde tem 8,1 milhões de reais na conta, alega que não há valores parados. O município argumenta que “todos os valores estão empenhados no orçamento, vinculando os recursos financeiros em conta com os recursos orçamentários e compromissos assumidos”. “A verba é utilizada em despesas fixas e variáveis, como campanhas, e o recebimento e uso dos valores são dinâmicos, com prestação de conta feita ao final do exercício. Portanto, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC) não tem hoje em sua conta os R$ 8 milhões citados. Dentre as despesas fixas estão a compra de leite substituto para crianças nascidas de mães com HIV, cerca de 28 mil latas ao ano, aquisição de gel lubrificante (500 mil saches/ano)”, diz a nota. O município não informa quanto tem em caixa no momento dos recursos repassados pelo ministério.

A resposta escorrega nos detalhes. A orientação do Ministério da Saúde para uso da verba não inclui a compra de gel lubrificante. A Secretaria Estadual de Saúde comete o mesmo erro: de acordo com o superintendente Alexandre Chieppe, o órgão também compra gel lubrificante com o valor de incentivo. Ou seja: do pouco dinheiro que é usado, há ainda gastos que desrespeitam o que foi acordado com o ministério.

Fonte: VEJA

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